Na organização em 2012, Sônia encontrou na escuta, no cuidado e na luta coletiva os caminhos para transformar o medo em força e o estigma em voz ativa
Fundada em Recife em 1993, a ONG Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero surgiu da mobilização de ativistas que, diante da invisibilidade e do estigma enfrentado por pessoas vivendo com HIV/aids, decidiram agir. No último mês, a ONG completou 32 anos de história, reinventando o cuidado ao combinar acolhimento emocional, apoio jurídico e campanhas de comunicação para enfrentar preconceitos e garantir direitos.
Para quem é acolhido ali, a Gestos é muito mais que uma organização: é abrigo, escuta e espaço de recomeço. Sem alarde, oferece testagem, orientação, suporte psicológico, assessoria jurídica e ferramentas para que cada pessoa possa assumir o protagonismo de sua própria trajetória — muitas vezes após anos de medo, silêncio e isolamento. Nesse tempo, histórias de superação e resistência se multiplicaram dentro e fora da instituição.
A Agência Aids conversou com a ativista Sônia Borba, uma das mais antigas acolhidas da Gestos, que encontrou, no acolhimento e na escuta, caminhos para ressignificar sua história. Enfrentando o medo, o luto e o preconceito, ela descobriu a dimensão de sua dignidade, força e empatia. Sua voz é um convite à escuta atenta, à quebra de estigmas e ao reconhecimento de que ninguém deve caminhar sozinho.
Sônia vive com HIV há 18 anos. Quando recebeu o diagnóstico, pensou que fosse morrer. Passou um ano mergulhada no luto, até decidir sair dele e partir para a luta. Foi em 2012 que começou a ser atendida pela Gestos, e, segundo ela, foi a partir desse acolhimento que encontrou força. “Quando ela nos acolhe, ela nos faz querer acolher outras pessoas e nos ensina os nossos direitos. Com isso a gente se fortalece. A Gestos me fez optar por viver melhor. Hoje faço meu tratamento direitinho e assim o vírus não vai me vencer. Eu já venci ele”, afirma com convicção.
O apoio que recebeu foi amplo: psicológico, social e jurídico — com destaque para o suporte emocional. “Ele ajuda muito a gente a se fortalecer e ver a vida de outra maneira. Você consegue ver como as famílias ficam gratificadas. Isso dá uma estrutura muito boa para a nossa família”, explica. A ONG também foi essencial no enfrentamento ao preconceito, ensinando direitos e mostrando que ninguém contrai o HIV porque quer. “Qualquer um que faz sexo desprotegido pode pegar o HIV. Fazemos esse trabalho de desconstruir esses pensamentos levando a informação”, diz.
Sônia afirma, com orgulho, que a Gestos a ajudou a ser quem é hoje: uma mulher empoderada, ativista e com voz para falar abertamente sobre o HIV. “Se não fosse por ela, talvez eu tivesse desistido de viver, porque quando a gente descobre o HIV, a gente pensa que é o fim do mundo. Mas aí vem a Gestos e mostra que não, que é só o começo de uma nova vida.”
Fazer parte dos 32 anos da organização tem um significado profundo para ela. “Para mim é muito satisfatório viver isso, presenciar isso, estar lá fazendo a diferença. Se vamos nos hospitais, se vamos levar informação, eu vou com o maior prazer do mundo, porque eu sei que eu vou tirar outras pessoas do fundo do poço onde eu já estive.”
E a mensagem final que deixa é de continuidade e esperança: “A vida continua… e hoje em dia eu me sinto uma pessoa muito fortalecida e, quando eu fortaleço outras pessoas, para mim é muito gratificante. Hoje eu acolho e fortaleço outras pessoas. E onde eu me fortaleci? Na Gestos. Então, para mim, a Gestos é tudo. Espero que faça mais 32 anos e depois mais 32, e por aí vai, para que outras pessoas cheguem e também aprendam que podem viver bem, assim como eu.”
A Gestos celebra não apenas uma trajetória de 32 anos, mas também a força e importância de quando o acolhimento se transforma em ação coletiva. A voz firme e inspiradora de Sônia é a prova viva de que a ONG segue cumprindo seu papel: transformar luto em luta, estigma em direitos, e medos em redes de cuidado que salvam vidas.
Vinicius Monteiro (vinicius@agenciaaids.com.br)
Fonte: OngAids